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Ciências forenses
Aprender técnicas 'CSI' na Casa Crime
por SÓNIA SIMÕESOntem
A investigação privada é uma saída a ser explorada pelos alunos do Instituto Superior Egas Moniz, em Almada. Ali há muitos "crimes" e meticulosos trabalhos de investigação como nos filmes. Mas é a sério...
À porta da Casa Crime, uma moradia decorada a gosto e destinada à criação de vários cenários criminosos, os alunos do Instituto Superior Egas Moniz, em Almada, escutam a professora. Vestem um fato macaco, usam luvas, máscaras e óculos, e trazem nas mãos máquinas fotográficas, lanternas e material de recolha de vestígios.
O problema que lhes é colocado para avaliação é trabalho de um verdadeiro investigador criminal: "No dia 19 de Dezembro, os pais de uma jovem comunicam o seu desaparecimento". A rapariga foi encontrada sem vida no interior de uma casa - a Casa Crime, que agora é uma residência onde "é frequente haver festas e consumo de droga", de acordo com os vizinhos.
Lá dentro há vidros partidos, copos derrubados, sangue e dois cadáveres - o da rapariga desaparecida e o de um homem. Aqui os mortos são bonecos que já vestiram roupa da moda em montras de uma conhecida marca. A cocaína é farinha. E o sémen dentro dos preservativos espalhados pelas divisões é leite em pó. Tudo serve para ser analisado em laboratório.
"Num dia entrei sem protecção e eles acabaram por recolher fibras cor-de-rosa. No laboratório constatou-se que eram do meu cachecol", diz, sorridente, a professora de Métodos Avançados de Análise da Cena de Crime I, Ana Paula Ferreira. A sua boa disposição não é o único motivo para que os alunos não tolerem um atraso nas suas aulas. Esta é a cadeira que obriga os alunos a trabalhar no terreno. E raros são os que vêem nisso um sacrifício.
A maior parte dos alunos confessa que foram séries de televisão, como o CSI, que os fizeram despertar para esta nova realidade. Mas o coordenador do curso, Alexandre Quintas, sublinha que ainda não davam essas séries e já ele tinha pensado em associar as ciências exactas às sociais e criar um verdadeiro investigador criminal pelas mãos de uma licenciatura de Ciências Forenses e Criminais.
"Peguei no meu exemplo. Sou de Bioquímica, e grande parte dos meus colegas trabalham em laboratórios e fazem perícias neste âmbito", reconhece.
Mas estará o mercado de trabalho aberto a esta nova realidade? O coordenador Alexandre Quintas e a professora Ana Paula acreditam que os futuros licenciados - agora no segundo ano - estão preparados para seguir vários caminhos alternativos. "O curso tem disciplinas tão diversas como Química, Física, Matemática, Psicologia, Processo Penal e Sociologia", justifica Alexandre Quintas.
Neste momento, diz a lei, o curso de acesso à Polícia Judiciária reserva 30% das vagas a licenciados em Direito. As restantes são abertas de acordo com as necessidades da instituição, mas normalmente falam em especializações específicas como Biologia ou Química. Alexandre Quintas espera conseguir quebrar isso e introduzir o curso entre as licenciaturas procuradas.
Fonte da Polícia Judiciária admite que nem sempre o conhecimento da investigação criminal é útil para alguém que trabalhe no Laboratório de Polícia Científica (LPC). E por isso a lei não confere o estatuto de investigador criminal a estes profissionais. O facto de um perito em Biologia ter total desconhecimento do processo criminal "poderá torná-lo mais isento".
Para o Instituto Nacional de Medicina Legal, uma formação específica em Química, por exemplo, seguida de uma especialização em Ciências Forenses, é mais útil, diz fonte do INML que pediu para não ser identificada.
Mas há um mercado que estes formandos poderão explorar: o privado. A lei confere exclusividade ao Instituto Nacional de Medicina Legal e ao Laboratório de Polícia Científica às perícias solicitadas pelas polícias e tribunais. Mas o processo penal prevê o princípio do contraditório e confere às partes o poder da contraprova.
Significa isto que qualquer arguido ou parte num processo pode deslocar-se a um laboratório privado e pedir exames. "O problema é que em Portugal quase não há dinheiro para pagar a um advogado quanto mais a um laboratório", diz Carlos Pinto de Abreu. Ainda assim, o advogado acredita que estas formações poderão trilhar caminho à investigação privada.
Há laboratórios privados em Portugal que já fazem exames genéticos, perícias psiquiátricas e até exames grafológicos. A maior parte dos clientes destes são as seguradoras.
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