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Aves
Centro paga a proprietários para deixarem águias voar
Águia-de-bonelli, francelho, abutre-preto e grou são algumas das aves que o Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI) estuda e ajuda a conservar. Proprietários recebem contrapartidas financeiras e caçadores e população têm aulas de educação ambiental
Em Portugal, ser "ave rara" não é propriamente um elogio. Porém, tudo muda quando estamos a falar de biologia animal. É precisamente por ter atingido esse estatuto que a águia-de-bonelli é uma das espécies protegidas pelo Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI). Nas décadas de 80 e 90 a águia-de-bonelli sofreu uma regressão de 15% da população, o que levou a que a espécie esteja classificada a nível nacional com estatuto de conservação "raro". Assim, tornou-se num "bem precioso" a preservar, o que levou a que fosse criado um projecto de conservação.
Segundo Carla Janeiro, da direcção do CEAI, "a grande componente do projecto é o estabelecimento de protocolos com os proprietários dos territórios onde as águias potencialmente nidificam, com o assumir do compromisso destes gerirem as suas propriedades sem perturbar a espécie".
No entanto, como explica outro especialista da CEAI, Rogério Cangarato, "para isso os proprietários recebem contrapartidas financeiras".
Ainda assim, este sistema inovador de sensibilização dos proprietários tem dado os seus frutos e espera-se que crie raízes que se prolonguem para além do projecto, que termina em Setembro de 2010. Até lá, os objectivos são claros: "Melhorar as condições de habitat fundamentais ao sucesso reprodutor, melhorar a disponibilidade de presas selvagens e domésticas, reduzir a mortalidade através da sensibilização das populações rurais em geral e de grupos sociais específicos, como por exemplo os caçadores."
Todas estas metas pretendem minimizar o grau das ameaças que segundo Rogério Cangarato se prendem com "os impactos decorrentes da actividade florestal" e com "a caça, que é um problema, não pelo abate directo (que tem diminuído), mas pela perturbação que a acção humana provoca".
Por outro lado, se a época de caça é um dos momentos mais preocupantes para o CEAI, a degradação do habitat provocada pela construção de grandes infra-estruturas, os incêndios florestais, a escassez de alimentos, a mortalidade juvenil por doença e as mortes em linhas eléctricas e parques eólicos são outros dos flagelos da espécie.
O projecto do CEAI começou em 2006 e está a ser um sucesso, uma vez que as populações da espécie têm, como explica Carla Janeiro, apresentado "uma tendência para o crescimento".
A população que está a ser estudada pelo centro tem "características ecológicas únicas na Europa e atípicas da região Mediterrânica", pois nidifica quase exclusivamente em árvores de grande porte situadas em zonas florestais. Geograficamente, dos cerca de 100 casais existentes no País, 60% encontram-se a Sul do Tejo, sendo essa a principal área de acção dos investigadores.
Outra das especificidades das águias-de-bonelli é o planeamento do ninho a médio/longo prazo, chegando a conservá-lo durante décadas. Daí que o CEAI tente sensibilizar os proprietários a não desenvolverem trabalhos nas terras que perturbem esse duradouro habitat. Este projecto das águias-de-bonelli é financiado pelo Programa LIFE da Comissão Europeia, contando também com apoios de empresas privadas, como a REN e o Grupo Portucel Soporcel, e com autarquias como a Câmara Municipal de Tavira.
As aves-alvo do centro
Não são só as águias-de-bonelli que estão sob a protecção do CEAI. "Desde o início da constituição do centro que procedemos a uma monitorização de grous, uma ave migratória que passa o Inverno em Portugal", explica Carla Janeiro.
Porém, os dados recolhidos não demonstram nenhuma tendência, pois as populações "são muito variáveis. Depende das condições climatéricas: uns anos aumenta, outros diminui".
O centro tem também vindo a desenvolver acções relativamente ao abutre-preto "através da construção de ninhos artificiais na zona de Moura, Mourão e Barrancos" e tem colaborado com a Liga da Protecção da Natureza "na defesa do francelho". Segundo Carla Janeiro, o objectivo do projecto é "promover a reprodução em cativeiro e a reintegração do francelho no Centro Histórico de Évora".
Na linha de outras organizações de estudo das aves, o CEAI também enfrenta problemas de financiamento. Os voos são, por isso, limitados. Carla Janeiro explica porquê: "Até há muitos fundos europeus para estes projectos, mas envolvem sempre uma comparticipação nacional que é mais difícil de obter. Por exemplo, o Ministério do Ambiente português nem tem fundos específicos para estes estudos e muitas vezes temos de recorrer a entidades privadas."
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